Uma noite de contrastes
Na Quinta-Feira Santa a Igreja celebra uma dupla instituição: a da Eucaristia e a do Sacerdócio. Será muito proveitoso estar atento aos misteriosos contrastes apresentados na liturgia da noite de hoje. Com efeito, esta é uma Missa em que se mesclam imensa alegria e ao mesmo tempo profunda tristeza. Somos elevados aos mais altos cumes do júbilo, e no mesmo momento desertados aos profundos recantos da desolação.
É o Cristo que dando a sua carne como alimento, nos alegra; mas anunciando a traição de um dos seus amigos, nos entristece. Ao instituir naquela noite a Santa Missa como Memorial de sua morte, Nosso Senhor faz memória do seu sacrifício antes mesmo do próprio sacrifício acontecer. Assim, atualizou o que ainda nem havia acontecido para que não escandalizássemos quando a Igreja fizesse memória e atualizasse o que Ele já havia realizado. Como podem caber juntos passado, presente e futuro? É o contraste do tempo. É a prova de que a Missa transcende todo e qualquer limite temporal; ela é exatamente o Sacrifício da Cruz, seja quando celebrada hoje, 2 mil anos depois da crucifixão, seja quando celebrada na Santa Ceia, 1 dia antes da crucifixão; daí que em cada Santa Missa o tempo é desafiado e somos transportados ao Calvário. Céus, que magnífico!
O Senhor participou daquela Ceia ciente dos iminentes acontecimentos, mas ainda assim soube guardar a serenidade e a polidez, deixando para o Getsêmani o seu derramar em tristeza. É exatamente como faz aquela boa mãe que espera o filho se alimentar bem, para só depois disso realizar as suas queixas maternais, pois a hora da refeição é sagrada e não há que ser maculada com sentimentos angustiosos. E se com tanto respeito devemos alimentar o nosso corpo, com que temor deveríamos alimentar a nossa alma?! Ah, Eucaristia! Que graça! Que presente! Que tudo! Só mesmo um Deus interessadíssimo em ficar perto de nós seria capaz de tão santa audácia e tão largo amor.
Um amor tão grande que chegou ao ponto de tirar Cristo do céu e pô-lo em nossos altares. Isto é o Sacramento! Não satisfeito, este mesmo Amor retira o Cristo dos altares e mete em nosso coração. Isto é a Comunhão! A Eucaristia, enquanto Sacramento, foi instituída para o Senhor estar conosco; enquanto Comunhão, foi instituída para o Senhor estar em nós. Louvemos a Deus por estes dois efeitos maravilhosos!
E o Sacerdócio? Convinha que fosse instituído juntamente com a Eucaristia, pois é das mãos ungidas do sacerdote que Deus nos envia o Sacramento do Altar. Os padres, então, que seres mais privilegiados; que homens mais agraciados. Emprestam a voz a Nosso Senhor, fazem suas vezes, repetem seus atos, vivem de sua vida. Verdadeiros canais da graça divina, tais são os sacerdotes. Que amor, que respeito e devoção não devemos nutrir por estes levitas! O sacerdote, embora frágil como um vaso de argila, carrega consigo um valioso tesouro. De fato, a grandeza ontológica do sacerdócio seria mais do que suficiente para esmagar a pequenez ontológica de um homem; como o mais cabe dentro do menos? Como um pequeno copo suportaria guardar dentro de si toda a água de um oceano? O sacerdócio é o contraste de uma dignidade infinita habitando uma dignidade finita.
A noite de hoje ainda nos apresenta o Senhor lavando os pés dos Apóstolos, ensinando desse modo como eles deveriam chefiar a Sua Igreja, ao que podemos categoricamente afirmar: o tríplice múnus de ensinar, santificar e governar encontra no Lava-Pés o seu mais autêntico sentido. Ou seja, os poderes dos homens da Igreja se manifestam mais plenamente na medida em que com mais humildade eles servirem. Poder como sinônimo de serviço; ó noite para haver contrastes!
Obrigado, Jesus, pelo Sacerdócio! Obrigado, Jesus, pela Eucaristia!